Contos e Lendas
Caminha – O Salteador da Serra de Arga
Quem foe à Serra de Arga, nas imediações de Caminha, facilmente encontrará a estrada para a aldeia de Arga de São João, e aí verá uma capelinha de invocação a Santo Aginha. Ah, não consta dos livros da igreja? Bem, então ouçam a lenda e digam lá se não deveria constar.
Para já, consta na alma popular daqueles sítios, e isso já é muito bom. Mas não se admirem se, seguindo a lenda, ouvirem que Aginhaera um perigoso salteador da serra de Arga! Até as criancinhas eram ameaçadas com o Aginha para comerem duas colheres de sopa! Era o terror daqueles sítios. Dizia-se que, se não encontrasse moedas ou carga que o satisfizessem, o salteador mandava despir o assaltado e levava com ele as suas roupas. E bastava-lhe um punhal para os seus ataqes. Ora, certo dia, Aginha assaltou um frade do Convento de São João que acabava de dar a extrema-unção a uma pobre velha que vivia num cotovelo da serrania. Mas o frade não tinha mesmo nada para roubar. Porém, fez questão de dar-lhe, pelo menos, boas palavras, tentando salvar aquela alma. Estabelecendo-se uma conversa entre ambos, esta animou-se porque Aginha raramente tinha com quem conversar. E tão convincente foi o frade que Aginha passou de salteador a benfeitor, arrependido da vida que levara.
O pobre homem decidiu então não abandonar o sítio, ansioso por poder ser útil a quem
Precisasse, sobretudo reparar o mal que fizera a alguma gente dali. Mas se toda a gente o soube acusar, mesmo aqueles a quem ele nunca fizera mal, já os seus beneficiários não foram capazes de o gabar, deixando somar episódios, agora fantasiosos, em seu desabono.
Assim numa manhã cinzenta, um carreiro que ia com seu carro de bois pela serra de Arga viu com desgosto como o carro caiu para o lado. Toda a carga se virou, e ele sem forças para repor tudo no seu sítio. Surgiu-lhe então o antigo salteador, que logo meteu ombros ao carro. E quando o carro já se encontrava de novo direito, começou a apanhar a carga, pondo-a no seu sítio. Porém, o carreiro, pensando que Aginha o ia depois assaltar, deu-lhe com o machado à falsa fé matando-o.
Foi depois o carreiro, muito atrapalhado com a morte que fizera, dar parte às autoridades de Agra de São João, tanto que queria receber a moeda de ouro que davam por ele. E a Guarda da terra foi mais tarde à serra certificar-se do feito de que ele tanto se gabava. Para espanto de todos, apesar dos dias passados ao relento, o cadáver ainda esta incólume e, diz a lenda, exalava um suave cheiro a flores silvestres.
Ah, é verdade, ainda hoje se ignoram os argumentos do frade de São João para operar tão rápida e eficaz mudança na cabeça do facínora. E quem o reconheceria, ajoelhado diante do confessor, pedindo perdão pelos seus pecados? E tal foi a transformação que, somadas as suas bondades, as gentes acabaram por lhe dedicar a tal capelinha na Arga de São João, aonde o leitor pode ir um dia destes.