Momento de Poesia
A Procissão
Está tudo preparado
Há gente por todo o lado
A minha aldeia está em festa
Tocam os sinos a anunciar
Que a procissão vai passar
Não há outra como esta.
No adro da igreja toda a gente
Canta à padroeira alegremente
Cânticos de graças e louvor;
Os andores se aprumam
E à volta deles se arrumam
Aqueles que os levam com amor.
Lá na frente vai o guião
Anunciando que a procissão
Vai por aqui a passar;
E os santos nos seus andores
Vão recebendo os seus louvores
Que o povo lhes quer dar.
Há colchas nas janelas
E em todas as ruas e vielas
Sente-se um aroma de alegria;
Todos cantam, todos rezam
Até aqueles que se prezam
De viver este grande dia.
Vagarosos vão os andores
Que os seus transportadores
Com fé os vão carregando;
Com passos firmes vão
Aqueles que na procissão
Se vão já incorporando.
Cada andor com seu Santo
Vai mostrando o seu encanto
E a beleza que o ornamenta;
O perfume daquelas flores
Que com carinhos e amores
São regados com água benta.
Vão os estandartes à frente
De cada santo correspondente
Nas mãos de quem com carinho;
Com muita fé e dedicação
Vai ali com a alma e coração
Percorrendo todo o caminho.
Vai o Pálio lá atrás imponente
Cobrindo solenemente
O Sacerdote que vai rezando;
Com o Relicário em suas mãos
Vai orando pelos cristãos
Que com fé vão cantando.
Os sinos vão tocando
Alegremente anunciando
Que o cortejo vai na rua;
E o povo vai rezando
Aos santos vão implorando
Para o mal a sua cura.
Chegados já à igreja
Toda a gente ali deseja
Obter as graças do Senhor;
E acabada a procissão
É o Sacerdote que dá então
As Bênçãos do Salvador.
Autor: João Alegria Rodrigues
O Sono de João
O João dorme... (Ó Maria,
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia enguli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!
O João dorme... Que regalo!
Deixa-lo dormir, deixa-lo!
Callai-vos, agoas do moinho!
Ó mar! falla mais baixinho...
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...
O João dorme... Innocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo somno profundo!
Não acordes para o mundo,
Pódeaffogar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...
Ó Mãe! canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Ha só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vae sem se sentir.»
Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!
E tu vel-o-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!
Mas para isso, ó Maria!
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...
E os anos irão passando.
Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha tambem)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas:
Morrerá sem o sentir,
Isto é deixa de dormir...
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é d'onde elle veio...
Mas para isso, ó Maria!
Pede áquellacotoviaQuefalle mais davagar:
Não vá o João, acordar...
António Nobre, in 'Só'