Momento de Poesia
A Cigarra e A Formiga
Como a cigarra o seu gosto
É levar a temporada
De Junho, Julho e Agosto
Numa cantiga pegada,
De Inverno também se come,
E então rapa frio e fome!
Um Inverno a infeliz
Chega-se à formiga e diz:
- Venho pedir-lhe o favor
De me emprestar mantimento,
Matar-me a necessidade;
Que em chegando a novidade,
Até faço um juramento,
Pago-lhe seja o que for.
Mas pergunta-lhe a formiga:
"Pois que fez durante o Estio?"
- Eu, cantar ao desafio.
"Ah cantar? Pois, minha amiga,
Quem leva o Estio a cantar,
Leva o Inverno a dançar!"
Autor: João de Deus (1830-1896)
A Esperança
No passado, uma saudade,
No presente, uma amargura,
E no futuro, uma esperança
De imaginária ventura
Eis no que consiste a vida
Imposta por Deus ao homem.
Nisto se consomem dias!
Muitos anos se consomem!
Saudade é flor sem perfumes
Quando ainda verdejante,
Mas à medida que murcha,
Ai, que aroma inebriante!
A amargura é duro espinho,
Que nas carnes penetrando,
Faz desesperar da vida,
Suas flores definhando.
A esperança é frouxa luz,
Que nas trevas nos fulgura;
Vendo-a, ousados caminhamos;
Mas, ai, que pouco dura.
Quantos mais passos andados
Na agra senda desta vida,
Mais amargo é o presente,
E a saudade mais sentida.
Mas a esperança não; os anos
Fazem-lhe perder o brilho;
Caem-lhe uma a uma as folhas
Da existência pelo trilho.
A velhice nada espera.
Nada da esperança lhe dura...
Mas não, cansada da vida,
Tem a paz da sepultura.
Tem a morada fulgente
Da inteligência Divina;
Tem as regiões sagradas,
Que eterno sol ilumina.
Bendito sejas, meu Deus!
Que nos dás na vida inteira,
A filha dos céus, a esperança,
Por suave companheira.
Ela nos enxuga o pranto,
O pranto ardente e amargoso;
Não a acusemos de pérfida,
Esperar... já é um gozo.
A mente, esperando, concebe,
Conceção sempre iludida,
Prazeres talvez entrevistos
Nas cenas duma outra vida.
Esperamos pois companheiros
Desta fadigosa viagem;
Se a esperança é imagem do gozo,
Adoremos essa imagem.
E cruzando este oceano
Com os olhos no porvir;
Esqueçamos no presente
Se horríssono bramir.
E quando enfim, já cansados,
Reclinarmos nossa fronte,
Que a esperança nos revele
Mais dilatado horizonte.